quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

O Gato Preto

GRRRMM...

Grunhe, arranha, mia. A única coisa que não faz é dormir. Esse gato preto maldito preso à minha garganta que tanto me faz sofrer. Como uma bola de pelos negros e vívidos ele obstrui toda e qualquer alegria que possa haver dentro de mim. Unhas afiadas prontas para serem amoladas em minha laringe; se diverte com a glote e defeca todas as tristezas garganta adentro.

Fatídico e ígneo felino de veludo malfeito que desde treze de janeiro agregou-se a mim para assassinar-me por inteiro! E desta data a frente madrugou-se tudo o que era bom, sumiu o trigo do pão e a água potável não mais tem sua a transparência cristalina...

Eu sou um imbecil, um monte de sucata medieval, um bocado de metal oxidado, meio metro de mortalha desenterrada; sou uma besta renascentista – frustrada que pinta quadros no reflexo do espelho, com figuras que realmente gostaria que fossem verdade. Como diz um companheiro niidadaista: as sucessões dos nadas em nossa vida é o que realmente nos perturba (ou, quem sabe, nos conforta). E é isso que tenho hoje. Milhares de nadas, ações não feitas, de planos não realizados e de sortes que nunca saíram dos papéis bíblicos de uma crença pseudo-religiosa que tivera.

GRRRMM...

Puxo e repuxo, torço e retorço a língua. Forço a garganta e soa ao fundo de minha cavidade bucal um miado de agonia. O gato também deve sofrer. Deve estar temeroso em meio às desventuras cravadas no meu peito. Coitadinho deste animal macabro, apenas conhecia as trevas e quando se deparou com meu interior desejou os infernos; descobriu da pior maneira que o melhor é não ser engolido pelo buraco negro de que sou feito. Sua má sorte foi ficar entalado na garganta ínfera desta criatura que cá escreve sem muita vontade. Entretanto, sabe-se bem que, ao entrar em mim, não há como voltar. Meus amores nunca voltaram, eu não voltei. Nada de que fui obrigado a engolir retornou. Apenas me causaram boas dores sulfúricas e indigestas, mas apenas isso.

GRRRMM...

Deixa estar felino, que sou lupino! Em poucos meses será absorvido pelo nada. Tu farás parte do vazio que me consome e deixará de existir assim como eu deixei naquele bubônico dia de treze de janeiro.

GRRRMM...

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