quarta-feira, 28 de abril de 2010

A Ceifa

"(...)
O ceifeiro rebelde pende mais a cabeça para a seara, como se as torturas e as esperanças lhe pesassem.
(...)
O ar fica a repetir aquela chicotada no silêncio opressivo.
Nem um pássaro anda no ar. Não conseguem singrar agora naquele céu de metais em fusão.
Os pássaros não voam. Mas os ceifeiros trabalham.
A ceifa não pára - a ceifa não pára nunca.
(...)
A lâmina das foices vai cega de todo. Os punhos não lhe podem dar luz, pois o vigor já morreu de há muito. Só o impulso dos braços tombas as espigas.
A ceifa corre lenta. Dolorosa e lenta.
E os capatazes bramam.
(...)"
Trecho de Gaibéus, romance de Alves Redol

Creio que não preciso dizer muito, o silêncio as vezes é a melhor resposta ou, quem sabe, a melhor coisa a se fazer neste momento.
E temo de o silêncio não bastar...
Enfim!



domingo, 18 de abril de 2010

Dos meus amores...








O Amor, ah o Amor! É algo que temo em descobrir que possa não ser o que pensamos. Augusto, meu mestre, soube definir o Amor em sua obra. E venho a concordar com com ele; me nego a crer que tudo isso que passei possa ser amor de verdade. O Amor não é algo cheio de firulas, plumas e lantejoulas. Amor é comer manga do pé, é andar descalço na lama, é rir na chuva, é deixar seu cachorro lamber seu rosto e gostar disso. "O Amor é cego", what hell is this? Cego? Não, creio que não. Nós sabemos bem o que fazemos, o amor é apenas uma justificatica (por assim dizer) incontestável para as inconsequências humanas. Digo isso e por que digo não quero passar a ninguém que não creio no amor, muito bem pelo contrário, creio até mais do que deveria! Mas a cada pedra pulada de nossa vida um pedacinho mais do quebra-cabeça é nos dado e quando vi, percebi assustado essa matemática. "A família é uma instituição falida" - disse uma professora minha - e é isso mesmo! Estamos numa sociedade extremamente carente de atenção familiar; e crescemos assim sem muita coisa e quando encontramos pessoas na nossa vida esperamos receber dela algo que não tivemos antes. A família caiu ao Decadentismo do séc. XIX e o Realismo polvilhou feu em tudo que restou...


Amor é aquilo que sinto quando vejo minha vó sorrindo, é o que faz meu peito explodir quando vejo meus amigos felizes, é o que escorre dos meus dentes ao ser refletido pelo espelho, é a energia que enama de mim quando rezo a Oxum... Isso é Amor, Amore, Amour, Love, Liebe... Os adjacentes disso são apenas adjacentes.


Ninguém tem a obrigação de amar ninguém se não a si próprio.


"O mundo inteiro pode te repudiar; o único que não pode é ti mesmo." - Emmanuel




Idealismo




Falas de amor, e eu ouço tudo e calo

O amor na Humanidade é uma mentira.

É. E é por isto que na minha lira

De amores fúteis poucas vezes falo.




O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!

Quando, se o amor que a Humanidade inspira

É o amor do sibarita e da hetaíra,

De Messalina e de Sardanapalo?




Pois é mister que, para o amor sagrado,

O mundo fique imaterializado

— Alavanca desviada do seu fulcro —




E haja só amizade verdadeira

Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!




Augusto dos Anjois




Versos de Amor

a um poeta erótico



Parece muito doce aquela cana.

Descasco-a, provo-a, chupo-a... ilusão treda!

O amor, poeta, é como a cana azeda,

A toda a boca que o não prova engana.



Quis saber que era o amor, por experiência,
E hoje que, enfim, conheço o seu conteúdo,

Pudera eu ter, eu que idolatro o estudo,

Todas as ciências menos esta ciência!




Certo, este o amor não é que, em ânsias, amo

Mas certo, o egoísta amor este é que acinte

Amas, oposto a mim. Por conseguinte

Chamas amor aquilo que eu não chamo.





Oposto ideal ao meu ideal conservas.

Diverso é, pois, o ponto outro de vista

Consoante o qual, observo o amor, do egoísta

Modo de ver, consoante o qual, o observas.



Porque o amor, tal como eu o estou amando,

É Espírito, é éter, é substância fluida,

É assim como o ar que a gente pega e cuida,

Cuida, entretanto, não estar pegando!



E a transubstanciação de instintos rudes,

Imponderabilíssima e impalpável,

Que anda acima da carne miserável

Como anda a garça acima dos açudes!



Para reproduzir tal sentimento

Daqui por diante, atenta a orelha cauta,

Como Mársias - o inventor da flauta -

Vou inventar também outro instrumento!



Mas de tal arte e espécie tal fazê-lo

Ambiciono, que o idioma em que te eu falo

Possam todas as línguas decliná-lo

Possam todos os homens compreendê-lo!



Para que, enfim, chegando à última calma

Meu podre coração roto não role,

Integralmente desfibrado e mole,

Como um saco vazio dentro d'alma!




Augusto dos Anjos


sexta-feira, 16 de abril de 2010

Bilhete


"Só digo o que penso, só faço o que gosto e aquilo que creio. Não nasci para ser metade. Em nada, para nada, nem para ninguém. Sou inteiro, por essência. Terás de mim o inteiro, exceto se me deres apenas metade. Deixo minha seriedade para as horas em que ela é inevitável. No mais, fico sorrindo à toa." - Maysa, a cantora.

ODE DO PESAR

Invejo os pecados que a religião abomina.
Tenho necessidade de ser intenso.
Quero ser sol, lua, magma, estrela vespertina;
Nado na horas, brindo séculos, mergulho no mar imenso!

Invejo as ninfas que
Seduzem num olhar.
Invejo o vento frio
Que é sentido na pele descalça.

Soberano desejo de ser este vinho,
Este fermentado de uvas.
Queria ter sabor!
Alemintar a fome, regar a sede
De um alguém...

Mas, que entretanto, sou este homem
Incompleto, vazio, sem amor
Fardado a vagar pela estrada,
Testemunhar a Felicidade alheia
E acariciar os que sofrem
Sendo obrigado a esquecer
Minha própria dor...

Assim como fui esquecido
Por Deus...
Por....
Deus!

quarta-feira, 7 de abril de 2010

A FLOR

Como as flores nos campos
Ela exala seu perfume derradeiro
Mostra sua pétala ofertada aos santos
Trazendo-nos o suspiro primeiro
Ah! Flor! Ès primaveras!
Desabroxa no romper da aurora
Mostra-se impar, no decorrer das eras
E sua beleza em todos os cantos desaflora
Mostre-se ao mundo Flor,
Eu a vejo parada,
Mostre todo esse seu Amor.
Ja te conheço, ja daquela estrada
Ès flor do mundo, do ardor.
Tens tudo do mundo e o mundo não te tens em nada!

Passagem...

"... E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre." - Miguel Sousa Tavares

O Ipê Amarelo

Eu quero um ipê amarelo! Nossa como eu quero um ipê amarelo!De copas amplas, de grandiosa amplitude, de galhos de proporções épicas com folhas verdíssimas, e que no inverno, todas elas se desmantelem no chão, deixando-o todo puro, todo nu... Ai então as flores amarelinhas tomem o lugar do esverdeado...flores amarelas! Isso mesmo todas amarelas, com um amarelo ouro, com alguns tons mais claros indicando a pureza desta singular árvore. Tão inocente minha árvore! Ah! Meu ipêzinho amarelinho, tão bonitinho, tão inocente, que deixaria uma criança com aparência mundana... Seu tronco! Firme e forte, que nem mesmo o mais rude dos lenhadores poderia derrubá-lo! Tronco marrom! Tronco forte! Tronco-rocha! Sim, isso tudo é meu ipê amarelo! Como quero meu ipê amarelo! Amarelinho, amarelão, é meu ipê. Ele é assim tão ipêzinho esse meu ipêzão... Tão ipê, tão real, que até parece sonho...

domingo, 4 de abril de 2010

DA FELICIDADE


"Quantas vezes a gente,em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão,por toda parte,os óculos procura
Tendo-os na ponta do nariz!”
(Mário Quintana)


sexta-feira, 2 de abril de 2010

"Sonho Infantil"


"Num canto guardado,

Um João bobo, que pança!

Um sorriso estampado,

Um brinquedo criança.


E eu cada vez mais criança

Via o João meu e gostava da pança.

Envelhecendo o João Bobo furou

Eu fui crescendo e o sonho acabou..."


Edilson B. Miranda (pai)