domingo, 28 de fevereiro de 2010
Mentiras
ELA
I
Absurdo!
Explosão de máxima brancura,
Como num conto, ela, toda desenhada,
Desafia o mundo com sua ternura...
É... Fez sua mãe esperar acanhada,
Sua mãe, que aguardava desde janeiro
Com a força de um paquiderme rubro,
Deu a luz a este cordeiro
Que veio ao lar a 26 de outubro,
Para conquistar o mundo inteiro!
II
Matemático!
Num sincronismo homogêneo,
Ela andava pelas ruas, num vazio estéreo
Tentava se completar procurava a si
Nas câmaras temporais alheias...
Não! Ainda não via que a matemática
Da vida não consiste em algarismos
E tangentes... E que na verdade era
Algo mais simples, pura soma!
Dividir para completar!
E quando,
Num gesto verdadeiro,
Trouxe também ao mundo
O seu cordeiro...
III
Permanente!
Ela se tatuou inteira,
Toda coberta de tintas,
Símbolos, estórias e verdades...
Faceira, menina perdida...
Aprendeu as duras penas
A lógica da vida...
IV
Continental!
Trancada, violenta, suprema!
Rangia os dentes com tamanha fúria
Que os maiores dos maremotos teriam inveja!
Nos despojos desta guerra,
Monstruosos e medonhos pesadelos
Lhe atormentava...
E numa ânsia incoercível...
Almejava ter os céus...
Queria ter asas
Queria tocar o universo,
Desejava sentir entre os dedos
O frio das constelações
Mas a sua volta...
Apenas negros dragões...
V
Inevitável!
E no desespero do ultimo momento
Ela, que tanto derramou seu pranto,
Ela, a menina de máxima brancura,
Desenhada, toda pura,
Explode, como um vulcão de alma
Da mais verossímil verdade
Sobe com asas decidas pela própria eternidade...
Sublima-se tão rápido,
Numa escada cúbica, como num andaime...
É, suba menina... Chegou a sua hora,
Suba! Suba! Suba Elaine!
E ela tocou os céus,
Em delícias...
Estava em paz, estava feliz...
Sentia das constelações as mais
Sensíveis carícias!
Um canto para um silêncio
Enfim, que seja este o derradeiro canto meu para todo e qualquer silêncio que eu ou alguém venha causar...
obs.: Como é de fato perceptível de quem me conhece, meu poeta favorito é o Augusto, porém o poema de minha vida foi escrito por outro, perdoe-me mestre!
...
Cântico Negro - (José Régio)
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!