quinta-feira, 10 de junho de 2010

Relato de um dia cinza

“Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. [...] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulto demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou maduro bastante ainda. Ou nunca serei.” (adaptado para o masculino) - Clarice Lispector
Que curioso! Eu nunca gostei de Clarice. Talvez seja porque não a conhecia de verdade ou talvez, quem sabe?, por conhecer que não gostava. Por saber que alguém me lia antes mesmo de me formar humano.
Quer saber? serei maduro apenas onde sei sê-lo. Ou quando quiser sê-lo. No mais, serei a mais peralta e maldita criança que vos escreve este relato.
Quer saber também? Sinto sua falta, na mais temível desesperação de que se pôde ouvir que exista! Queria que estivesse aqui ou eu estar ai. Tão difícil estar vivo com você morto...
Enfim, mudando o assunto. Hoje acodei como se fosse filho de Pessoa com Espanca. Numa doce melancolia. As pessoas acham que podem enganar sempre umas as outras. Tolos! As verdade sempre, eu disse sempre, reverbera do chão. Não importa o quanto você a enterre. Ela é mais leve que o ar, entretanto pesa na consciência. Creio que muita gente neste mundo não sabe ainda como se importar com os outros. Isso explicaria muita coisa!
Não é necessário que me escondam a verdade. Sou forte suficiente para aguentá-la. E mesmo que não fosse, ainda a prefiro.
Existe uma diferença entre ter interesse e fingir estar interessado. Eu sei bem diferenciá-la. Feliz ou infelizmente sei. Aprendi, nem era tão difícil assim...
"Tudo que sacrifiquei para adorá-lo
- Mas hoje, vendo o horror dos meus destroços,
Tenho vontade até de estrangulá-lo
E reduzi-lo muitas vezes a ossos!"
Augusto dos Anjos - Fragmento de "Estrofes Sentidas"
Entende? Mais ou menos isso. E tenho como resposta as pelavras do mesmo poeta:
"Nisto, abre, em ânsias, a tumbal janela
E diz, olhando o céu que além se expande:
"- A maldade do mundo é muito grande,
Mas meu orgulho ainda é maior do que ela!
Quebro montanhas e aos tufões resisto
Numa absoluta impassibilidade",
E como um desafio à eternidade
Atira a luva para o próprio Cristo!"
Augusto dos Anjos - Fragmento de "A Luva"
E por mais incrível que lhes pareçam, estou alegre em saber que os meus calos estão espertos e duros o bastante para continuar a andar.
Encerro este relato com as palavras de meu pai do dia de hoje.
"Não sei. Falta-me um sentido, um tacto
Para a vida, para o amor, para a glória...
Para que serve qualquer história,
Ou qualquer fato?Estou só, só como ninguém ainda estêve,
Õco dentro de mim, sem depois nem antes.
Parece que passam sem ver-me os instantes,
Mas passam sem que o seu passo seja leve.
Começo a ler, mas cansa-me o que inda não li.
Quero pensar, mas dói-me o que irei concluir.
O sonho pesa-me antes de o ter. Sentir
É tudo uma coisa como qualquer coisa que já vi.
Não ser nada, ser uma figura de romance,
Sem vida, sem morte material, uma idéia,
Qualquer coisa que nada tornasse útil ou feia,
Uma sombra num chão irreal, um sonho num transe."
Fernando Pessoa, ele mesmo.

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